Por: Walmir dos Santos Monteiro
- Vamos te levar para um lugar.
- Mas eu quero esse lugar aqui.
- Vai ser um lugar legal.
- Você não achou aqui legal?
Este breve e
inicial diálogo entre uma Assistente social e uma menina, travado em plena “Cracolândia
paulista”, me lembrou a história de Jean Genet, conforme contada e analisada
por Sartre[1].
“A
Cracolândia é um lugar legal”. Dizia aquela menina de não mais que 11 anos. O
nome Cracolândia lembra infância, liberdade e diversão. Como uma Disneylândia
má e traiçoeira, Cracolândia nos lembra um veneno chamado crack. E toda droga,
da mais leve até a mais pesada, sustenta o paradoxo do veneno doce, que te
adoça enquanto te mata[2].
A terra do
Disney e a terra do crack sustentam curiosas semelhanças e diferenças. Ambas
fomentam a ilusão. A Disneylândia diverte os abonados, a Cracolândia os
abandonados. A Disneylândia é o sonho, a Cracolândia o pesadelo. Na
Disneylândia se fala uma língua que nem todos entendem, na Cracolândia há uma
linguagem incompreensível, surda, entorpecente, impiedosa.
Se Jean Genet
vivesse por aqui e em nossos tempos, certamente se afundaria na Cracolândia.
Quem foi Genet? Um menino abandonado pela mãe ao nascer, que viveu perambulando
pelas ruas de Paris até ser adotado aos 7 anos por um casal de camponeses, mas
desde cedo Jean decidiu encarar o mundo de modo desafiante. Rompeu com os pais
adotivos e saiu daquela casa que não lhe servia mais de parâmetro e orientação.
Jean queria as ruas, queria o mundo, buscou a marginalização, um modo de
ratificar e autenticar seu abandono, seu não pertencimento, optando por uma
identidade destrutiva e afrontadora. É como se assumisse o seu nascimento como
um gesto de recusa por parte da mãe, quando dela foi expulso no exato momento
em que foi posto no mundo. Jean confrontou-se com a sociedade e naturalmente
foi por ela repelido, uma rejeição social que teve seu nascedouro na recusa
materna, tornando-o maldito desde o seu nascimento. Sartre teve por hipótese
que Jean ao ser enviado para uma família no campo aprendeu o respeito absoluto
à propriedade, assimilando que somente se pode ser herdeiro por meio de uma
legitimidade que ele não possuía. Sentia-se, pois, inoportuno, excedente.
A cracolândia
é um espaço de propriedade e identidade, é como se a criança de rua pudesse
finalmente assimilar algo como sendo seu. Um território demarcado como maldito,
lugar dos malditos. E neste sentido há um resgate não da família, mas da
familiaridade, e o crack se impõe como um veículo de fuga, de transcendência e
de enfrentamento. A droga anestesia a trágica percepção da realidade de
isolamento social que se impõe a uma personalidade em formação. Carente de
bases e de instrução, carente principalmente de aceitação, o menino sofre a
condição de solitário. O crack substitui o pai, a mãe, o afeto. E também o
torna defensivo, agressivo, lutador em prol de si mesmo, ou do que resta de si
mesmo.
O homem é capaz de criações admiráveis,
como o trem-bala japonês J. R. Magley que chega a romper impressionantes 580
quilômetros por hora; a construção de prédios como o Burj Dubai nos Emirados
Árabes de inacreditáveis 512 metros de altura e 141 andares, projetar
minúsculos aparelhos eletrônicos que são gigantescos em suas múltiplas
capacidades; sem esquecer a surpreendente Medicina de alta complexidade que
atinge feitos inimagináveis, além das conquistas da Biologia Molecular e outros
exemplos que ilustram o incontestável poder humano em toda sua ousadia, inteligência
e imaginação.
Mas a
contradição é que seremos capazes de decifrar toda a sequência do genoma
humano, mas não de exterminar do mundo a fome, o desemprego e a corrupção.
Ainda estamos longe da conquista de pequenas e essenciais coisas, como a
capacidade de agir sempre com respeito, educação e cordialidade diante de
nossos semelhantes, e também de nos livrarmos de uma série de vícios que nos
escravizam.
A humanidade
hoje é muito mais conhecida por sua avidez por novidades do que por seu
respeito aos valores humanos; é mais rapidamente identificada por sua
voracidade ao consumo do que por qualquer preocupação com a preservação do
meio-ambiente.
É, pois,
nesse cenário que vive o homem atual: numa sociedade de consumo que se dá a
conhecer como “sociedade consumida”, já que (nela) tudo vira produto, e ela
própria também se vê num processo autofágico, onde todos são a um tempo
consumidores vorazes e produtos expostos ao consumo, na típica sociedade onde
só possui valor aquilo que pode entrar para a categoria de produto.
Assim,
riquezas imateriais como respeito, ética, honestidade e solidariedade não
alcançam valor de mercado, e então se tornam mercadologicamente inúteis.
Ao lado
disso, crescem os setores da sociedade que buscam inocular em nosso meio mais
valores humanos e sociais. Tais setores são minoritários, pouco acatados na
prática, embora obtenham respeito aos seus discursos. Tornou-se, assim,
politicamente correto elogiar Institutos do Terceiro Setor, o Greenpeace, o
WWF, e iniciativas similares como as relacionadas à reciclagem do lixo e
cuidados com a água potável.
Mas o debate
sobre a toxicomania nos leva à percepção de que faltam organizações que lutem
pela defesa “ecológica” do homem contra a poluição das drogas, por exemplo.
Parece-nos um tanto contraditória a atitude de bradar contra a destruição das
florestas, rios, peixes e flores e esquecer-se de incluir nessa lista o homem.
Não faz o homem parte dessa linda natureza? Se não desejamos que sirvam lixo
aos peixinhos porque também não protestar contra a ingestão de drogas? Não é
também o homem um ser vivo merecedor de iguais cuidados?
Nossas
reflexões, por outro lado, nos levam a compreender a drogadicção como uma busca
do ser, uma necessária passagem, um caminho indispensável (para alguns) ao
encontro do ser, de seu próprio sentido de vida. Na teoria organísmica
entendemos o sintoma como um modo de o sujeito buscar equilíbrio, e para a
fenomenologia-existencial o sintoma não é algo a ser eliminado, mas analisado
para que compreendamos a subjetividade de alguém que dele necessita para seguir
em frente, para ser, para adquirir sentido e identidade.
Sartre
(1943/2000) ao propor reflexões sobre o corpo diz que o primeiro problema é que
consideramos o corpo como uma coisa separada, dotada de leis próprias, e quando
tento unir minha consciência ao meu corpo, o corpo que vem à minha consciência
não é o meu, mas o dos outros, já que os órgãos que vejo são os dos outros. O
meu corpo, tal como é para mim, não me aparece no meio do mundo, todavia, mesmo
os meus membros externos são vistos como exteriores a mim. Quando toco minha
perna, ou quando a vejo, estou presente a ela sem que ela seja eu. Assim,
aquilo que faço existir é a coisa perna, e não a perna como possibilidade que
sou de andar, de me mover, de correr. Em certo sentido é assim que o drogadicto
faz: submete o seu corpo à droga como submeteria ao relento um objeto qualquer
de sua propriedade, que ele não quisesse mais. É como se dissesse do alto de
uma compreensão dualista cartesiana: este corpo não sou eu. É como se ele
quisesse tornar possível separar-se do corpo, alienando-o, abandonando-o e por
fim usando-o para resgatar-se na dimensão de um eu que não abarca a
corporeidade.
A ontologia
fenomenológica apresenta o Em-si e o Para-si como seres que respectivamente
pertencem ao mundo das coisas e ao mundo dos homens, sendo o Em-si a classe de
seres providos de essência e desprovidos de consciência; já o Para-si é a
classe de seres providos de consciência e desprovidos de essência já que a sua essência
se faz e se refaz permanente e cotidianamente em cada uma de suas escolhas e
atitudes. Uma das características existenciais do homem (Para-si) é que a
angústia, seu fundamento, toma conta do seu ser, e isto se dá – entre outras
coisas - porque ele tem consciência da sua finitude, do absurdo da existência,
e que é o único responsável por suas escolhas e que são as suas escolhas que o
tornam quem é.
Diante da
angústia surge uma tentação: entrar na condição em si e recusar a consciência,
a liberdade, a responsabilidade, enfim, a minha existência. Ao entorpecer-me
destruo minha capacidade de escolha responsável e elimino minha plena
consciência. Perdendo a capacidade de decidir igualo-me ao ser Em-si. Mesmo por
algumas horas, livro-me da angústia da minha existência e igualo-me às coisas,
aos animais, aos vegetais. Isto é drogadicção.
Este processo
pode ser dar de modo gradual. Enquanto o sujeito consegue fazer um uso
eventual, casual e recreativo da droga, ele é apenas um usuário. Mas pode
chegar uma fase de plena perda do poder de decisão e aí o sujeito se vê claramente
arrastado pela sua compulsão e se esquece das rédeas, perde o controle. Como um
cavalo cujo montador descobre que as rédeas se soltaram de suas mãos e nada consegue
fazer para resolver a situação. O animal corre cada vez mais velozmente e ele nada
faz além de contemplar essa corrida louca, rumo ao abismo.
A compulsão é
um processo de escravização ao hábito. Conhecemos o que são hábitos, saudáveis
e não saudáveis, mas o que caracteriza a compulsão não é exatamente a qualidade
do hábito, mas a incapacidade de gerenciá-lo, de criticá-lo, de controlá-lo.
Lavar as mãos
é um hábito bem saudável, mas há pessoas escravas do “lavar as mãos”, elas são portadoras
de um transtorno obsessivo-compulsivo que as obriga a lavar as mãos repetidas
vezes, sob pena de sofrerem consequências graves, até mesmo trágicas, se
interromperem esse ritual diário.
O mesmo homem
que exalta a primazia da liberdade e que é capaz de grandes feitos tecnológicos
e científicos curva-se à droga e à bebida, e troca sua existência e liberdade
por um pouco de pó ou por uma pedra de crack que o conduzem a um estado
coisificado.
Sabemos que o
maior desafio social das comunidades é por qualidade de vida para todos. Desta
forma, a liberdade de ser, de se expressar e de viver a vida com qualidade e
dignidade, passou a ser primazia. E isto não é novo, surgiu com o Humanismo no
século XIV. Muito antes disso, porém, o cristianismo já demonstrava o tanto de
privilégios destinados ao homem, quantas possibilidades, mas também quantas
responsabilidades.
Nossos
debates sobre o problema da toxicomania e suas consequências humanas e sociais
circulam em torno de pontos sobejamente conhecidos, mas sem a necessária
transcendência que nos faça agir com a eficácia e a urgência que o tema merece.
Algumas questões sobre as drogas, seus usos e abusos são consensuais e
bem conhecidas. Entre elas constam que:
- As drogas
jamais acabarão.
- Depois de
instalada a dependência é muito difícil a sua eliminação.
- Maconha e
álcool são portas de entrada para drogas mais pesadas.
- Anfetaminas,
remédios para emagrecimento, fazem mais mal do que bem.
- É preciso
prevenir, porque a melhor saída para as drogas é jamais entrar.
Embora devamos combater o uso e o tráfico de
drogas, sabemos de antemão que elas jamais acabarão. E para isso precisamos
compreender que droga como aqui nos referimos é qualquer tipo de substância
entorpecente, capaz de interferir no funcionamento do sistema nervoso e alterar
a conduta.
Neste sentido, desde a cafeína até o rapé,
passando pelo tabaco, pela taurina e pelos espumantes – tudo é droga. Contudo,
a diferença se estabelece na quantidade e na capacidade de fazer uso de tais
substâncias de um modo independente, isto é, sem se tornar adicto (escravo)
delas.
Mas, como em uma roleta russa, não temos como
saber de antemão quem desenvolverá dependência e quem conseguirá manter um uso
sempre responsável dessas substâncias capazes de alterar o comportamento e
desenvolver relações compulsivas.
Lidamos com índices de recuperação
baixíssimos, exatamente porque se trata de uma patologia de prognóstico
sombrio. E neste sentido são altas as taxas de óbito por overdose ou por
doenças decorrentes de uma debilitação progressiva do organismo, isto sem
falar, nas contaminações por HIV em função do uso de seringas contaminadas e a
prática sexual sem proteção devido ao rebaixamento da censura e do cuidado
preventivo que acompanham a drogadicção.
A maconha há muito tem sido considerada uma
droga inofensiva, e de fato sabemos que ninguém morre por overdose de maconha.
Contudo, além das pesquisas que mostram a responsabilidade dessa droga
alucinógena na deflagração da psicose em pacientes predisponentes, e além da
aliança que os estudos fazem entre maconha, adinamia, preguiça e falhas da
memória recente, tem-se por certo que a maconha é porta de entrada para o uso
de outras drogas, como a cocaína, por exemplo. Em nossa prática clínica, em um
universo de cerca de 400 dependentes de cocaína, detectamos que 90% tinham começado
pela maconha.
E em relação ao álcool, talvez um dos maiores
problemas na redução do alcoolismo seja a grande simpatia que essa droga
desfruta nos meios sociais. As pessoas se envergonham de fumar, mas não de
beber. Posar segurando garrafas de cerveja ou abraçando uma torre de chope
tornou-se algo glamoroso. Fica difícil fazer prevenção a uma droga tão letal quanto
simpática.
Há um combate, em forma de campanhas,
dirigido ao tabagismo que não se repete com o alcoolismo. Por alguma razão, o
álcool é quase que “louvado” em nossa sociedade, sendo que governos e
profissionais de saúde e educação deveriam enfatizar mais a necessidade de
prevenção ao alcoolismo.
Pesquisas[3] dão conta da redução do tabagismo, revelando
que o número de fumantes no Brasil está abaixo de 15% da população brasileira.
A incidência de homens fumantes – ainda maioria – reduziu-se a uma taxa média
de 0,6% ao ano. Em 1989, os brasileiros fumantes representavam 35% da população
brasileira. Em 2012 são 14,8%. Porto Alegre é a capital com o maior número de
fumantes no país, com 22,5% da população local. Na outra ponta da tabela está
Maceió, com 7,8% dos habitantes. No Rio, os consumidores de cigarro são 14%.
A mesma pesquisa também mediu o consumo de
álcool abusivo entre os brasileiros, e o índice se mantém inalterado desde 2006
com 17% da população. A incidência do consumo abusivo – quatro ou mais doses de
álcool em um único evento nos últimos 30 dias – é maior entre os homens
(26,2%), quase três vezes mais do em mulheres (9,1%).
Esta pesquisa comprova que quando se dá
verdadeira atenção a qualquer problema de saúde que atinge a população,
conseguindo unir toda a sociedade e influenciando a opinião pública, os
resultados positivos são inevitáveis (caso do tabagismo), mas quando não se faz
prevenção, e pelo contrário se fortalece a tendência de glamorização de
determinada droga (caso do alcoolismo) o resultado é a estagnação mostrada pela
pesquisa. E a propósito dessa dita estagnação, é preciso sinalizar que segundo
esse levantamento, o uso denominado abusivo não diminuiu nem aumentou, mas,
certamente, aumentou significativamente, em termos gerais, o consumo de bebida
alcoólica no país nesse período pesquisado.
Uma das características comportamentais do
homem pós-moderno é o desejo de soluções instantâneas. Parece que a tecnologia
com suas fantásticas inovações e criações nos convenceu de que tudo pode ser
resolvido em um instante, basta que se pague por isso. Neste sentido o desejo
de emagrecer não tolera o esforço da reeducação alimentar e da disciplina da
prática de exercícios. Por que tanto esforço se posso comprar uma caixa de
anfetaminas e emagrecer rapidamente? Ilusão. É fato que emagrece, mas também é
fato que destrói a saúde. Não se consegue manter a ingestão de tanta droga por
tanto tempo e acaba-se engordando tudo de novo.
Fala-se muito em prevenção, mas faz-se pouca
prevenção, ou quase nenhuma. Os discursos são politicamente corretos, mas a
prática é a da omissão. A sensação que passa é que não se sabe fazer prevenção,
no lugar disso surgem aqui e ali campanhas inócuas cuja base é propagar o
clássico e ineficaz “diga não às drogas” em campanhas que em geral querem
ensinar que drogar-se faz mal, mas isso todo mundo sabe. Necessário se faz que
as bases da drogadicção sejam trabalhadas. São elas:
1.Uma legislação que limite a propaganda de
bebidas alcoólicas da mesma forma que foi feito com o tabaco e deu certo, pelo
menos constam expressivos números de redução do consumo de cigarros de tabaco;
2.Limites à prescrição de anfetaminas e a
efetiva proibição da circulação em território nacional (Lei Federal) do
fepronporex e anfepramona, entre outras substâncias nocivas já proibidas em
diversos países. No Brasil uma medida eficaz seria defini-la como substância de
uso exclusivo em hospitais apenas para tratamento de obesidade mórbida (quando
o peso de uma pessoa ultrapassa o valor 40 no cálculo do IMC[4]).
Isto significa que sua venda seria
banida das farmácias, sendo a sua prescrição proibida em tratamentos
ambulatoriais;
3. Ações governamentais para uma atenção especializada a
moradores de rua, especialmente crianças e adolescentes envolvidos com o
consumo de crack, inalantes e outras drogas. Uma das mais felizes iniciativas
para o tratamento dessa questão são os “consultórios de rua” que surgiram no fim da década de
1990, em Salvador (BA), para atender a população em situação de risco e
vulnerabilidade social, principalmente crianças e adolescentes usuários de
álcool e outras drogas. Tal experiência tornou-se referência para novos
projetos "Consultório na Rua" previstos no Plano “Crack, é possível vencer”, o qual consolida sua atuação para o
encaminhamento de usuários que vivem nas áreas de maior risco social nos
espaços urbanos. No “Consultório de Rua”, uma equipe formada por médicos,
psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos, presta atendimento
aos dependentes químicos diretamente na rua, com o suporte de um ambulatório
móvel. A estratégia de abordagem é inspirada na ONG francesa “Médicos do
Mundo”, que atende moradores de ruas e prostitutas em ônibus equipado como se
fosse uma clínica. Após um mapeamento para descobrir onde estão concentrados os
usuários de drogas, os profissionais fazem a chamada aproximação, intervenção
com a população local, com uma equipe disposta a realizar um trabalho paciente,
de aproximação, de estreitamento do vínculo, mostrando às pessoas que a equipe
está lá para ouvi-las, orientá-las e cuidar delas no que for possível, mas que
a população também tem a sua parte, o seu papel, nessa missão. Necessário se
faz uma ação global e integral de amplo alcance social que vise a inclusão
dessas pessoas, propiciando meios de escolarização, profissionalização e
reinserção no mercado de trabalho. É claro que surgirão muitos resistentes a
qualquer ajuda, e estes deverão ser alvo de um trabalho ainda maior para a
consolidação da comunicação e do vínculo entre a equipe e o cidadão.
Por outro lado, é importante compreender que toda pessoa
tem o direito de fazer suas escolhas e neste sentido a oferta de apoio médico e
social pode ser recusada. Não cabe à equipe julgar o mérito dessa decisão que é
privativa à pessoa.
No caso de crianças, adolescentes e outros incapazes é
dever do estado defendê-los e promover ações que os beneficiem, mesmo que ainda
não estejam em condições de total compreensão dessa necessidade.
Mas no caso dos adultos, as negociações levam em
consideração se a pessoa quer ou não receber informações e orientações dos
profissionais, lembrando que o foco do projeto não é que os usuários parem de
usar drogas ou aceitem participar de um tratamento, mas que isso seja uma
consequência do trabalho feito com eles na rua, uma vontade que deve partir do
indivíduo e não da equipe profissional.
4.Programas sistemáticos em prevenção ao uso
indevido de drogas criados por especialistas e voltados a crianças e
adolescentes de 12 a 18 anos, aplicados nos colégios das redes pública e
particular.
Fala-se pouco
em prevenção e parece que o poder público somente age diante de certas
situações quando elas se encontram em um estágio insustentável, tornando
impossível a continuidade da omissão, sob pena de incontornável agravamento
social e político da situação.
Em segundo
lugar é necessário que se disponha de pessoal realmente qualificado para todas
as ações desde a prevenção até o tratamento terapêutico, passando pelas
abordagens realizadas pelos “consultórios de rua”. Observamos que na maioria
das vezes em que se vão implementar ações em dependência química, o improviso e
o amadorismo dão o tom. Precisamos ser mais profissionais.
Além disso, as
famílias dos dependentes de crack e de outras drogas precisam ser alvo das
nossas ações e atenções. De acordo com conclusões de uma pesquisa sobre o
perfil dos usuários de crack no Abrigo de Paciência no Rio de Janeiro[5], a
maioria dos usuários são homens entre 15 a 25 anos que além de apresentar um
histórico familiar de moradia nas ruas, são pessoas que sofrem com a falta de
estrutura familiar e estão à margem da sociedade.
As pesquisas
revelam perfis de acordo com o local em que as mesmas são realizadas. A busca
de conhecimento da realidade dos usuários em regiões de maior poder econômico
revela que embora o crack seja a droga mais usada por moradores de rua, o seu
uso não é mais restrito a redutos pobres e marginais: usa-se crack em todas as
camadas sociais. Toda a sociedade, portanto, está envolvida nessa temática.
Acabaram-se os guetos, ampliaram-se os grupos de risco, ninguém está a salvo.
Nossa
esperança é que cresçamos enquanto cidadãos para uma nova compreensão dos temas
aqui lançados, pondo de lado preconceitos, fundamentalismos e fantasias que
impedem uma ação reflexiva, centrada; ao mesmo tempo lúcida, compreensiva e
contundente, porque o problema avança, e ele é da nossa estrutura, da nossa
conjuntura, da nossa subjetividade social.
O curioso
paradoxo é que lutamos contra uma artificialidade e um mal que surgem da nossa
natureza e do nosso bem, do nosso querer viver a aventura da vida, da nossa
necessidade de encontrar sentido. Lutamos contra um mal que sabemos histórico,
perene e imanente. Não lutamos contra substâncias e objetos, mas contra nós
mesmos, contra a nossa incapacidade de identificação e conscientização do
verdadeiro preço desse voo compulsivo em direção à destruição do ser que
desejamos construir.
[1] “Saint Genet: ator e mártir”.
Jean-Paul Sartre. Ed. Vozes
[2]
Monteiro, W. Solitude. In: Crônica Existencial (2007)
[3]
Ministério da Saúde (2012)
[4]
Para fazer o cálculo do IMC basta dividir seu peso em quilos pela sua altura ao
quadrado (em metros). O número que será gerado deve ser comparado aos valores
da Tabela IMC, para se saber se você está abaixo, em seu peso ideal ou acima do
peso.
[5] Jornal O
Globo, 22/05/2012
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