Ser Terapeuta Existencial
(Walmir Monteiro)
Quando olhamos, ou escutamos, libertos de pressuposições e projeções (noésicas) de consciência, quando olhamos ou escutamos abertos ao detalhamento da singularidade do fenômeno, prontos a sermos surpreendidos e desejando mesmo a surpresa, o detalhe, a novidade, o contraditório... estamos olhando fenomenologicamente. Na terapia existencial não descuidamos da realidade comum ou científica. Não descuidamos da demanda, do sofrimento, da necessidade estabelecida, não descuidamos do diagnóstico, nem dos cuidados que surgem.
É que além de tudo isso estamos especialmente voltados à problematização de tudo isso, entendendo que há um para além da demanda, do comum, do diagnóstico, porque simplesmente há uma vida, uma pessoa, uma subjetividade que é mais importante que qualquer norma. Dar voz ao que vem na contramão do óbvio, é nosso papel.
Sobretudo porque sabemos que as pessoas são indeterminadas, e a realidade é feita a cada dia, a cada momento, a cada movimento, a cada escolha ou desescolha. E sabemos que o homem se encontra (a si mesmo) no mundo, é um ser-no-mundo, e que cada passo constitui um pedacinho a mais do ser. Como disse Sartre: “Não é dentro de nós que nos encontramos, não é em nenhum refúgio que nos descobriremos. É na rua, homem entre os homens, entre as coisas, no mundo”.
Quando falamos em redução fenomenológica estamos dizendo como Husserl que os conhecimentos aprioristicos e as concepções cientificas ou comuns são colocadas entre parênteses, de lado, e isto não significa descarte, mas o cuidado de permitir que o fenômeno se revelo por ele mesmo, como ele mesmo, sem pressuposições que o determinem.
Outro dia li na internet um trecho que dizia: “Há um casamento que ainda não foi feito no Brasil: entre o saber acadêmico e o saber popular. O saber popular nasce da experiência sofrida, dos mil jeitos de sobreviver com poucos recursos. O saber acadêmico nasce do estudo, bebendo de muitas fontes. Quando esses dois saberes se unirem, seremos invencíveis.”
Quando penso na fenomenologia-existencial não consigo ver essa separação entre saber popular e saber acadêmico que o texto alude, já que o foco da fenomenologia é a própria vida vivida, o mundo vivido, o lebenswelt. Ou seja: o que importa é o que se vive, o fenômeno-experiência tal como ele acontece. É nessa direção que se olha. Um olhar fenomenológico despe-se de pressuposições noésicas, de idéias anteriores sobre as coisas. As coisas são como se apresentam a nós, numa perspectiva fenomenológica em que a essência é a própria aparência.
A aparição do fenômeno é o que importa, e ele de nós se aproxima como fenômeno do ser, aquilo que imediatamente toma conta dos nossos olhos, dos nossos ouvidos, da nossa percepção imediata. É esta aparição que introduz o fenômeno à experiência que com ele começamos a vivenciar. E o ser do fenômeno resultará da série de aparições que se revelarão no tempo, possibilitando a descoberta da essência desse fenômeno.
É dessa forma que compreendemos que a proposta da Fenomenologia é exatamente dissipar qualquer abismo interpretativo que a ciência ou o saber formal pretendam colocar entre a nossa consciência e o fenômeno que ocorre diante de nós. O que significa um adolescente que cuidadosamente mantém uma pequena cruz amarela pintada na testa? E uma mulher que raspa os cabelos e só sua roupa branca ou preta? O que significa também uma pessoa que convive em sua casa com doze cachorros e mais ninguém?
As pessoas se sentem tentadas a interpretar esses exemplos. Os psicólogos e psicanalistas se sentem quase que tendo a obrigação de explicar direitinho o que afinal acontece com essas pessoas e suas manias excêntricas. Tudo que é ex-cêntrico (ou seja que foge à norma, que sai do centro, do costumeiro) tende a ser tachado como anormal ou pelo menos digno de análise e elucidação.
Pois a Fenomenologia vai entender como lebenswelt a experiência de cada um, fora de concepções apriorísticas, fora de qualquer significado que seja fruto de nossas in tuições científicas ou intelectuais. O que a Fenomenologia quer afirmar é que toda pessoa é um fenômeno, e isto quer dizer que ela é única, e sendo única não pode ser interpretada a partir de concepções a priori ou idéias gerais sobre o seu comportamento. A psicanálise e a psicologia falam muito de subjetividade, mas também tratam muito de concepções gerais que negam a subjetividade. São concepções seriais, apriorísticas sobre o homem. Fruto disso as interpretações que sempre aspiram encontrar unidades humanas ou unanimidades nosológicas, psicopatológicas.
Na fenomenologia-existencial vemos a subjetividade como o próprio ser fenomênico em ação. Uma ação livre que deflagra um modo de ser único, do outro e de mais ninguém.
Segundo Virginia Moreira, o processo psicoterapêutico se produz na interseção dos lebenswelt do terapeuta e do cliente. O psicoterapeuta passeia de mãos dadas com o cliente em seu mundo vivido, buscando sempre compreendê-lo, sem nunca separar-se de seu próprio lebenswelt. Como escrevi em outro lugar: cada qual em seu lado, mas sempre lado a lado.
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